Este é um post para todos os que trabalham em casa, seja por conta de actividade própria, seja por teletrabalho ou outra razão qualquer. Antes de mais, uma palavra de consolo: somos milhões em todo o mundo, e compreendo-vos pois sofremos todos do mesmo. Mas tal sofrimento não transparece para o “mundo normal” do trabalho. Para fazer (alguma justiça), eis um desabafo sincero. É necessário acabar com alguns mitos que destroem a nossa auto-estima.
PROBLEMA IGNORADO Nº 1 – A VIDA CASEIRA MISTURA-SE COM O TRABALHO
Se está a pensar iniciar uma vida de trabalho em casa, tenha em atenção que ambas tenderão a misturar-se. As distrações são comuns, sendo muito fácil confundir a vida entre 4 paredes com trabalho entre quatro paredes. Lute para ter um espaço – mesmo que pequeno – que seja para trabalhar. Não trabalhe no quarto, na sala de estar ou na mesa da cozinha. Não tarda nada, está a ver um programa fútil na TV enquanto se tenta concentrar no que realmente deve ser feito. Ou pior, entrelaça a leitura de material do trabalho com uma recorrente viagem à caixa de cereais.
PROBLEMA IGNORADO Nº2 – GERIR O TEMPO EFICAZMENTE É MUITO DIFÍCIL
Aprecio sinceramente todos aqueles que conseguem transformar 24h de um dia em 25 ou 26 horas. A gestão do tempo já é difícil numa empresa, mas aí existem “balizas”, objectivos, contactos agendados com colegas de trabalho e outros artifícios para que a nossa mente tenha uma ideia da linha do tempo e do que há a fazer. Em casa, parece-nos que o tempo é “plano”: o tempo assemelha-se a uma imensa barra de sabão Clarim que temos dificuldade em compartimentar. Quando damos conta, já é de noite e não fizemos nada. Ou então trabalhamos noite dentro. A semana e o fim de semana parecem não ter uma porta divisória. Gerir o tempo é uma arte que muitos de nós não percebe patavina.
PROBLEMA IGNORADO Nº 3 – EM CASA A SOLIDÃO É UM PROBLEMA SÉRIO
Qual a diferença entre trabalhar num cubículo de uma empresa e trabalhar em casa? Na maioria das vezes, a diferença está nas pessoas. Nas empresas há colegas para conversar, piadas para espairecer, tempo de almoço para socializar – ou mesmo um copo em conjunto depois do trabalho. Em casa, a não ser que trabalhe com outras pessoas, não há nada disso. A comunicação torna-se indirecta, comunica-se muitas vezes por Skype sem vídeo (ocupa mais largura de banda), no mail debitam-se palavras sem sorrisos e dá-nos o sono mais facilmente (demasiado facilmente). No meu caso, tenho a companhia preciosa da minha gatinha, que me permite esquecer que estou só. O trabalho criativo é mais difícil, começamos a memorizar visualmente as fissuras da parede e deambular pela casa é um interminável déjà vu. Dou por mim muitas vezes a trabalhar num café ou centro comercial. E acredito que a solidão é um dos maiores drivers para o crescimento dos espaços de cowork.
PROBLEMA IGNORADO Nº 4 – É MAIS FÁCIL SUCUMBIR À INTERNET
Manter disciplina e autocontrolo em casa é obra. A força de vontade parece desvanecer-se com o passar do tempo. Sem qualquer tipo de barreira, a Internet encandeia-nos com promessas de comunicabilidade e sabedoria. Quando damos conta, temos o monitor cheio de sites abertos, as redes sociais “aos saltos” e aquela vontade – quase inadiável – de ver se teremos alguma mensagem, alguma notícia relevante que tenha escapado, ou as métricas do último post. O que estava definido fazer na Internet, perde-se em navegação muitas vezes supérflua. Acabamos por fazer download de white papers, relatórios, artigos e eBooks que jamais iremos ler. Mas mais vale tê-los, para ficarmos “descansados” por não perder nada relevante.
PROBLEMA IGNORADO Nº 5 – DESENGANE-SE: VOCÊ NÃO ESTÁ A TRABALHAR
Este é o problema que para mim atinge a escala máxima de gravidade, quando se fala em trabalhar em casa. É simples de explicar: se trabalha em casa, não está a trabalhar. Os vizinhos pensam que está desempregado, na boa vida ou com uma valente depressão – mas nunca a trabalhar. Quando sai de fato para algum trabalho no exterior, todos olham para si e fazem figas: “Deus queira que consiga arranjar emprego coitado, que a entrevista lhe corra bem…”. Ou então olham para si e pensam: “Aquele tipo é que tem um emprego de sonho, sempre em casa!”. Mas se isto lhe parece familiar, então coloquemos o dedo na ferida: se vive com alguém (companheiro ou companheira), esse alguém é a PRIMEIRA pessoa a “lembrar-lhe” que não está a trabalhar. Desde que essa pessoa sai para trabalhar, até que volta, o que você esteve a fazer durante o dia não foi trabalho, foi “estar em casa”. E como “esteve em casa”, devia ter feito todas as tarefas domésticas imaginárias, pois teve tempo para isso – isso sim, é “trabalho”. Não conseguiu clientes para o seu métier? Então não esteve a trabalhar. Esteve a passar o tempo. De nada serve justificar que esteve a mandar emails, tentar aceder a clientes, fazer publicidade, concluir relatórios, aplicar ferramentas, escrever conteúdo para o site, responder a pedidos de orçamento, organizar bases de dados, estabelecer estratégias para solucionar problemas, criar peças de artesanato, editar vídeos, fazer teleconferência com o patrão, investigar acções na Bolsa, realizar cold callings ou a fechar contratos à grande. O que interessa mesmo é saber se limpou os pelos do gato da manta, no sofá.
Tenho a sorte (que deu muito trabalho!) de já ter ultrapassado muitos destes problemas, e as coisas estarem a funcionar. Mas sei que muitos ainda estão às aranhas.
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Francisco Teixeira
Customer Experience Management | Customer Driven Innovation | Branding Strategy | Formação em Psicologia do Consumidor | Estudos de Mercado Qualitativos
Obrigado por este artigo Francisco. “Infelizmente” revejo-me em praticamente todos os pontos. É bom saber que não somos os únicos a sofrer desta – muitas vezes – “angústia”. Mas o que se há-de fazer? Faz parte da nossa espécie 🙂
Valter Leandro, relmente… Mas também faz parte da nossa espécie acreditarmos que podemos dar a volta! Força e bom trabalho!
Sem dúvida. Obrigado e igualmente.
Sim é tudo verdade, mas tambem tem as suas vantagens, não temos de ver a tromba do nosso chefe todos os dias, podemos e cada caso é um caso, fazer uma maratona de 48 h de trabalho colocar mails em draft e ir lancando trabalho pelo ipad enquanto estamos na praia com a minha filhota, entre outros, de todos os males acima no texto só vejo o facto de nao aproveitar as adversidades de trabalhar em casa e transformar las em vantagens, mas concordo
Nuno,
Realmente depende sempre das perspectivas. Penso que todos nós chegamos a uma fase de adaptação, e a partir daí desfrutamos das coisas 🙂
….totalmente de acordo!!!! Cada um dos 5 pontos são uma constante na minha vida!!!!
Dora,
Espero que consiga, um dia, ultrapassar as dificuldades!
Gostei mas olhe que me estou a borrifar para o que os vizinhos possam pensar, afinal no final do mês a renda é paga, não estamos a falar morrer de fome e não lhes peço dinheiro emprestado . Se eles perdem tempo a pensar nisso ou porque me ouvem a dar uns toques na guitarra para fazer intervalos, quem é que afinal está em casa sem nada para fazer?
Eu isso não ligo.
Eh eh,
Bem visto Miguel Gonçalves 🙂
Abraço
Olá Francisco!
Ando há alguns meses a trabalhar em casa, embora seja temporário. De qualquer forma identifico-me a 100% com o seu texto.
No meu blog, ainda ontem disse que brevemente faria um testemunho na primeira pessoa sobre o que significa (de facto!) trabalhar em casa e quando pensei nesse texto, pensei em abordar todos os pontos que descreve (e mais alguns dado o contexto em que me encontro…)!
Irei partilhar certamente o seu texto e muito obrigado por clarificar tantos factos com alta qualidade, rigor e inteligência.
Um grande bem haja,
Ana.
Muito obrigado, Ana
Pelas palavras e pela iniciativa do blogue “Mulher, Filha e Mãe”. É sempre salutar ajudar os outros pelo exemplo, pois as pessoas sentem-se mais à vontade para serem “ajudadas”. Há uma maior identificação, sentimento de pertença. Especialmente quando há coisas na vivência familiar que estão desequilibradas, e que por vezes falta um ombro amigo para desabafar.
Muito obrigado,
Francisco Teixeira