O modelo dos 4 P’s (Product, Place, Price e Promotion) é sobejamente conhecido em todo o mundo. Este artigo não trata de referenciar todo o historial dos 4 P’s, que parece ter sido uma simplificação de um modelo de 12 variáveis de Neil Borden (saiba quais). Não trata também de julgar a validade ou não do modelo, ou de lhe acumular mais “P”s – já existem versões e ampliações suficientes do modelo de McCarthy. Também não é objectivo deste artigo o seguimento da tendência “the marketing-mix is dead”. Os 4 “P”s são importantes e devemos estar gratos pela organização que nos trazem para o pensamento do marketing.
No entanto, a construção de uma estratégia de marketing a partir de um modelo de 4 variáveis – produto, distribuição, preço e promoção – revela-se curto nos dias de hoje. O marketing-mix tradicional não chega a muitos locais, ficando a estratégia desguarnecida. Imagine que uma moeda cai para debaixo de um móvel, tenta apanhá-la, mas os seus dedos não lhe chegam. Não a pode recuperar. Ou então, pense no conceito de ângulo “cego”, que levou à reformulação da indústria de espelhos retrovisores nos veículos. Ao efectuar uma mudança de direcção, muitos condutores não conseguiam ver outros veículos que seguiam paralelamente, pois o espelho retrovisor não lhes permitia ver a aproximação desses veículos. Assim, os espelhos retrovisores actuais têm novas soluções, para cobrir esse ângulo cego.
Quando se fala em “o outro lado” do marketing-mix, há aqui um esforço para mostrar ao marketer moderno os ângulos cegos – e mais abrangentes – que o marketing-mix tradicional não permite alcançar.
Do produto à experiência.
A actual sociedade de consumo está a esvaziar de significado o conceito de produto enquanto entidade mais tangível e palpável. O conceito de posse está a dar lugar ao conceito de streaming. “Viver” o produto é mais importante do que tê-lo. A economia colaborativa permite andar de carro, sem ter carro. O outro lado de “produto” é a experiência em que ele vem embrulhado. Vender produtos, apenas, não tem piada: proporcionar uma boa experiência ao consumidor na sua compra, tem. Ao pensar no produto da forma tradicional, o marketer esquece todo um conjunto de factores psicológicos (relativos ao indivíduo) e sociais (o indivíduo no meio dos outros) que são, muitas vezes, mais valorizados do que o produto em si. Esses factores têm uma influência directa nas escolhas dos consumidores, e por consequência nos lucros das empresas (veja os números). A mensuração do lado psicossocial da economia e do marketing é uma tendência que ainda não levantou vôo. Mas a questão é simples: essa mensuração TEM de existir, pois é a sua falta que constitui o ângulo cego que mantém os marketers às escuras. É por isso que existem tantas ferramentas analíticas e racionais para criar planos de negócios, planos de marketing, estudos de viabilidade económica, etc… mas as empresas continuam a ir à falência e a errar na estratégia. A criação de índices de medida nestas variáveis “vagas e etéreas”, será uma constatação nos próximos anos.
Da distribuição ao foco no cliente (Customer Centricity)
Uma das grandes preocupações de qualquer empresa, é fazer chegar os seus produtos e serviços aos consumidores. Esse fluxo irradia directamente da empresa (ou fábricas, centros de distribuição, etc…) para o mercado, muitas vezes à custa de intermediários que encarecem o produto ao longo do caminho. Nesse processo distributivo e centrado na empresa, há uma luta diária para encontrar os canais mais eficazes (e menos onerosos) para fazer chegar os produtos aos consumidores. No entanto, esta visão limita o pensamento de marketing, e não cobre vários ângulos cegos, que estão em curso sem que a empresa seja capaz de detectar. O “outro lado” da distribuição, consiste em procurar os melhores canais para que os produtos, reais ou idealizados PELOS consumidores, cheguem até à empresa. A distribuição tradicional apenas satisfaz um número restrito de necessidades dos consumidores. Se a empresa for centrada no consumidor, será possível descobrir todas as necessidades, problemas, Jobs to be done, “mesinhas” , soluções caseiras, improvisações ou outras surpresas que podem dar origem a novos produtos (que depois entrarão na distribuição tradicional). Para isso, as empresas de sucesso utilizam canais especiais: Voice of the Customer, Social Media, estudos de mercado, escuta activa, etnografia, co-criação, apoio a projectos inovadores dos consumidores, as utilizações “alternativas” dos seus produtos e muitos outros. E o melhor é que quanto maior for o engagement (e não a promoção), mais o cliente irá contribuir para essa distribuição “ao contrário”.
Do preço ao valor
O conceito de “preço” baseia-se num alicerce que vem de tempos antigos: o dinheiro. No entanto, actualmente verifica-se que é exactamente o dinheiro que tem a sua existência ameaçada, retirando o tapete a este “P” do marketing-mix. A aquisição ou usufruto de algo é cada vez mais uma questão de trade-offs de valor, em que por vezes o dinheiro nem sequer entra na equação. É assim possível pagar coisas com um twitt, com publicidade, com tempo, com a nossa presença, com a permissão para acederem à nossa privacidade… Embora se possa alegar que tudo pode ter um equivalente em dinheiro, a verdade é que cada vez mais as transacções serão menos dependentes de preços, sendo substituídos por trocas de valor. O marketer price oriented está em desvantagem num mundo feito de cartões, Bitcoins ou modelos de negócio mais arrojados. Alguns dirão que dinheiro de plástico e Bitcoins são dinheiro na mesma. Mas a forma como são percebidos é diferente.
Da promoção ao engagement
O conceito de promoção, sustentado em acções de publicidade, comunicação integrada, forças de vendas, marketing directo, relações públicas, social media e outras, representa um mindset sujeito a erros de cálculo. Embora a promoção actual já pouco tenha a ver com outros tempos (que era unilateral na sua essência), ela continua a ser curta, no sentido em que deixa fora do seu espectro de acção um consumidor que olha – cada vez mais – para as empresas como parceiras, amigas, alavancas ou amantes (!). A noção de “campanha” de marketing está a dar lugar a “convivência com o consumidor”. O consumidor actual tem um poder considerável, tem havido um shift na relação de forças com as marcas. Nesse sentido, “promover” produtos e serviços, tentar influenciar descaradamente os consumidores ou bombardeá-los com informação, são métodos pouco eficazes e, pior que isso, estigmatizados pelo próprio consumidor. O marketing moderno pede engagement, marketing relacional, transparência, companheirismo, co-criação, pertença, win/win, responsabilidade social, consciência ecológica e todo um léxico novo. E ao passar de promoção para engagement, um conjunto de ângulos cegos ficam visíveis. Aliás, os próprios recursos em jogo não se confinam ao departamento de Marketing ou Vendas, envolvem TODOS os stakeholders.
De forma a precaver os ângulos cegos do marketing-mix tradicional, pode-se recorrer ao Customer Experience Road Map. O Customer Experience Road Map é um modelo de gestão de experiências, que ajuda as empresas a criar experiências de consumo eficazes, de uma forma organizada e cientificamente sustentada.
Haverão “outros lados” do marketing-mix que possam ser trazidos à discussão? Qual a sua opinião?
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