Grosso modo, a distribuição é o sistema multifacetado que permite que os produtos se movimentem da produção para o consumo, podendo haver mais ou menos intermediários envolvidos no processo. A verdade, é que ao longo dessa “movimentação”, na maioria dos casos há um acrescento de valor ao produto. Isto porque o sistema de distribuição inclui outros trabalhos necessários: a logística, a negociação dos direitos de propriedade, transporte, divulgação ou até mesmo estabelecer parcerias – para que o consumidor tenha facilidades de pagamento. É esse o preço a pagar para que tenhamos, de forma cómoda, os produtos ao nosso alcance.
Numa das imagens deste artigo, está o Customer Experience Road Map – criado pelo autor, e com apoio da agência Barcode no design. A seguir, apresentam-se exemplos de acções que poderiam ser realizadas, e que têm base neste modelo de gestão de experiências. Ou seja, iremos olhar para a distribuição com as “lentes” deste modelo.
- Customer Value (Expectativas). Uma percentagem significativa dos consumidores, entende a Distribuição Moderna como um modo de obtenção de produtos a um preço competitivo. Além disso, quase todos os consumidores consideram que a Distribuição em si é a loja onde costumam fazer compras. Através do Customer Experience Road Map, conclui-se que há aqui um problema… de expectativas. Há que trabalhá-las. Nem a distribuição é apenas o preço competitivo, nem é apenas a loja onde compramos. É TODO o processo. ⌈Esta percepção errada do consumidor tem consequências: ele julga que o produto lhe é entregue “as is”, tal como saiu do produtor, logo, acha normal que o preço seja competitivo⌋. O que está a falhar aqui? O que está a falhar é o seguinte: o consumidor não tem contacto com o restante processo da distribuição, pelo que não percebe o valor que é incorporado no produto. Se tiver contacto com esse processo, vislumbrará valor, e estará disposto a pagar mais pelos itens. Sugestões:
– Dotar os funcionários de conhecimentos sobre a origem dos produtos, e alguns “marcos” do percurso desses produtos até ao cliente. Complementar a esta acção, deve haver informação escrita e visual estrategicamente colocada em diversas categorias, sobre o processo de distribuição.
– “Aproximar” os consumidores do momento da produção – não os deixando apenas pelo retalho (ex: programas de visita aos locais de produção do vinho; ter alguém a preparar uma peça de vestuário no supermercado; vídeos sobre como se fabrica um champô para cabelos)
– Storytelling: ex, uma história animada sobre o percurso de um produto desde que sai da produção, até à prateleira do supermercado.
2. Envolvimento Relacional. Quantas vezes precisamos de apoio numa grande superfície, mas a pessoa responsável pela secção não está, ou está… mas está ocupada? Este aspecto, se fosse medido, teria certamente um impacto muito negativo na facturação de qualquer estabelecimento. Quando chamamos o “funcionário”, normalmente é porque precisamos de encontrar alguma coisa ou temos dúvidas na decisão. Mas há uma outra função importante que nos escapa: o mesmo funcionário pode indicar o que é novo para o cliente, abrindo outras opções de consumo. Obviamente, situações de falta de apoio irão sempre acontecer. Mas, frequentemente, essas faltas de apoio são demasiado notórias. O que está a falhar? Os clientes perdem o elo de envolvimento com a superfície comercial. Perdem o envolvimento emocional, pois sentem-se abandonados. Perdem o envolvimento relacional com os recursos humanos, “desumanizando” a empresa.
O envolvimento com a categoria também é pouco evidente: nos hipermercados, o funcionário de apoio à secção automóvel veste de igual forma comparativamente com o funcionário da secção têxtil. Esta situação ao nível dos Recursos Humanos, coincide com a mesma falta de especificidade na forma de expor os produtos. Diferentes categorias macro, deveriam ter diferentes “sinais” no vestuário. Um dia teremos Super Mários a atender nas secções de bricolage, e Barbies e Kens nas secções de vestuário. Ninguém disse que o dress code tinha de ser sério! No limite, até nem precisamos de “funcionários”: precisamos de “consultores” ou “gestores de conta”.
3. Envolvimento Comportamental, Cognitivo/ Intelectual e envolvimento Sensorial. Diferentes produtos e categorias, pedem diferentes formas de envolvimento. Nas grandes superfícies, um dos mais negligenciados é o envolvimento sensorial. Se entrarmos numa lojinha de bairro, com produtos de beleza, provavelmente seremos “seduzidos” por essências agradáveis. O olfato é um dos sentidos que gera memórias com maior longevidade. Mas num hipermercado, muitas vezes passamos pela secção de beleza e não sentimos qualquer aroma no ar. Deveríamos de passar pela secção de vestuário e sentir algum odor (ex: a amaciador de roupa!). O mesmo se passa com a música ambiente, quase inexistente na maioria das lojas – mas paradoxalmente, demasiado agressiva em algumas lojas de roupa. É verdade que algumas músicas de batida rápida, promovem uma maior movimentação dos clientes nas lojas. Mas também é verdade que essa mesma música desgasta e cansa, e pode levar a decisões de compra mais rápidas (e nem sempre as mais lucrativas para o retalhista).
Ao nível Cognitivo e Intelectual, a secção dos vinhos, por ex, é uma em que o envolvimento cognitivo é quase inexistente. Passo a explicar: os consumidores têm uma enorme dificuldade em “perceber” sobre vinhos. Para alguns é um prazer (procurar conhecimento), para outros é um terror (têm de receber conhecimento). Na dúvida, o cliente leva um vinho conhecido. Mas desta forma… não aprende a escolher novas opções! Uma das formas de vender mais vinho, é tornando as pessoas conscientes daquilo que podem escolher, informando-as. Noutro sector: já pensaram que existem milhões de espécies marinhas comestíveis por esse mundo fora, mas o consumidor ao longo da sua vida… acaba por comer umas 20? Quantas vezes chegou a uma peixaria e não comprou um peixe, porque não sabia como cozinhá-lo e não quis “empatar” o funcionário sobre o assunto? A verdade, é que estas situações se fossem mensuradas, evidenciariam fortes perdas para o retalho. Daí ser necessária uma aposta no envolvimento intelectual dos clientes. ⌈As dúvidas que os clientes colocam, em cada secção, podem depois ser transformadas em conhecimento, para melhorar diferentes categorias de produtos⌋. Porque não painéis informativos, com sugestões sobre que tipo de coleira mais adequada a diferentes raças de cães? Quais os tipos de champôs que existem e quais as suas funções? Informação visual e escrita sobre as regiões demarcadas de vinhos. Vídeos com receitas e confecção de peixes que se podem ver, enquanto se espera na Peixaria. Um touch screen com diferentes partes de carnes, e que, mostrassem de que parte do animal são e as suas características. Workshops sobre vestuário. Estabelecer uma parceria com a Midas e ter um mecânico (verdadeiro) a prestar esclarecimentos na secção automóvel, uma tarde por semana! A estimulação intelectual dos consumidores, deveria estar mais próxima daquilo que existe numa Garrafeira de bairro, do que nas prateleiras do grossista. O consumidor consome diferente, se o dotarem de conhecimentos. E se os hipermercados se unissem a operadores de Enoturismo, e revolucionassem a secção dos vinhos? Just a thought.
Outro aspecto pouco trabalhado é o envolvimento comportamental. Incentivar a que o cliente faça, toque, manipule, interaja ou realize tarefas. Gamification (aplicar mecânicas de jogos a outras áreas que não os jogos) é uma alternativa cada vez mais actual. Chamar pessoas a experimentar produtos, colocando a “mão na massa”. O mundo da moda movimenta milhões todos os anos. Todos os anos milhões de pessoas experimentam roupa, e pedem opinião a familiares e amigos. Então que tal pedir opinião a milhares de amigos? Colocar “cenários” nas lojas, para que as pessoas experimentassem roupa, fossem fotografadas por telemóvel e depois pudessem enviar as fotos para as redes sociais – a pedir opinião no momento? Ou balões de diálogo feitos em cartão, com calls to action sugestivas como, por ex, “Eu quero uma destas” (que os jovens colocariam acima da cabeça e segurariam um artigo que quisessem receber no aniversário, tirando uma selfie). O envolvimento não tem limites!
- Engagement. No Customer Experience Road Map, o engagement é a operacionalização de acções que aumentem a ligação dos consumidores, para com as ofertas e actividades de uma empresa. A este nível, não estamos a focar-nos numa experiência, mas sim em várias, de forma a envolver os clientes com a marca (de forma mutuamente satisfatória e em crescendo).
Um exemplo: normalmente fazemos as compras sozinhos, ou acompanhados de amigos ou familiares. Mas e se as lojas e a grande distribuição fossem mais além? Que tal convidar pessoas para fazerem compras sem se conhecerem… mas que possuam um interesse comum? Por exemplo, reunir consumidores com interesse em montanhismo? Seria uma experiência proveitosa. Poderia haver um “Guia”, a explicar segredos de montanhismo, como utilizar equipamentos, etc… movimentando-se ao longo da superfície comercial e selecionando produtos selecionados.
Criar espaços privados com constelações de produtos (layouts em universo) em que os interessados poderiam sentar-se e trocar impressões sobre determinada área de interesse comum? Ou então, criar um “mapa do Tesouro” em pleno hipermercado, em que as crianças pudessem participar (ou os adultos)?
O engagement emocional é outro aspecto que nem sempre é valorizado. Adoramos ver anúncios sobre cachorrinhos e gatinhos, criados por empresas ligadas à área da saúde e alimentação animal. Mas quando chegamos ao supermercado, não há uma continuidade emocional nessa secção (ao contrário do comércio especializado na área). Às vezes, nem a decoração da secção faz lembrar o mundo dos animais domésticos. Falta ambientação, imagens de animais, carinho. As causas sociais poderiam ajudar aqui: imagine que chegava à secção Pet e, ao lado de alguns produtos, veria uma foto de um animal ao cuidado de uma instituição e a frase: “Isto é mesmo o que o Jackie precisa!” (um cãozinho, por exemplo). Resolve comprar esse produto, que mais tarde seria entregue ao animal e uma semana depois recebe um email: “O Jackie está feliz! Obrigado!”. Certamente não se iria esquecer tão cedo deste episódio. Nem do supermercado em que isto aconteceu.
⌈Especialmente nas grandes superfícies, a regulação emocional deveria ocupar um lugar de destaque nas preocupações dos gestores⌋. Clientes felizes gastam mais. Pergunte a alguém se já se sentiu exausto, ao fim de umas horas num centro comercial. Certamente encontrará muitos “sim”. Daí a importância de haverem cadeirões, sofás e áreas de descanso (há 10 ou 15 anos atrás isto não era bem assim, não havia onde sentar sequer). Caso hajam famílias com filhos (quase todas), as crianças são bombardeadas com estímulos de todos os lados, e não conseguem estar paradas. Estes locais de descanso, com actividades para as crianças, seriam um Oásis. No entanto, os grandes hipermercados praticamente não têm lugares de descanso dentro dos seus espaços. Mas deveriam ter, quanto mais não fosse por uma razão óbvia: muitos consumidores guardam as compras de mercearia para o fim, para não terem de andar a carregar as compras pelo Centro Comercial. O que significa que se já estavam exaustas, quando chegam ao hipermercado ainda estarão pior. E um cliente cansado e saturado, compra menos – quer é sair dali e ir para casa.
- Experiência. Segundo Joseph Pine e James Gilmore (autores do artigo publicado em 1998 intitulado “Welcome to the Experience Economy“), o consumidor moderno cada vez procura menos aquilo que denominamos como bens, produtos ou serviços. Procura experiências. ⌈Olhar para a distribuição como uma viagem experiencial e não como um ponto de transacção, independentemente da área de negócio, pode abrir muitas perspectivas⌋. Pegar, meter no carrinho e pagar, é visto como um custo, algo que “tem de ser”. Experienciar o produto, dizer que quero x unidades, e tê-las à espera na caixa já ensacadas é visto (quase) como um ganho. Aconteceu ao autor um dia comprar um chaveiro por um euro, com uma bola feita em tecido, que fazia lembrar uma laranja. Quando a vendedora explicou que era feito por deficientes, e que a técnica utilizada era complicada (exemplificando como se fazia), o chaveiro deixou de custar um euro. Na cabeça do autor, valia muito mais.
Certamente o retalho do futuro apostará mais na experiência com os produtos, reservando o tempo estritamente necessário para o pagamento dos mesmos. Pois não é ao lembrar o quanto custa pagar que conquista os clientes. É o saber que fez um bom negócio, e justo. Paradoxalmente, a distribuição do futuro aproximará o momento do pagamento ao que já acontece nas compras pela internet: primeiro experiencia-se o produto, recebe-se um tratamento facial, contam-nos uma história sobre um vinho… e no final de cada experiência carregamos num botão a autorizar a compra (que irá para um carrinho de compras virtual). Isto significa que a distribuição pode tornar-se num “showroom experiencial”, com poucos produtos expostos (o grosso estará em armazém).
Peço desculpa pelo artigo longo e fragmentado, mas isto é apenas uma parte do que se pode obter com a aplicação de um mindset diferente: o do Customer Experience Road Map.
Caso queira aplicá-lo na sua empresa, pode saber mais aqui.
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