O que é que a Volkswagen e as salsichas têm em comum?
Alguns dirão que são ambos ícones de um país, a Alemanha. Mas neste artigo vamos falar de outra coisa comum: ambos têm em mãos um problema de atitude. Com os consumidores.
A Volkswagen é acusada de ter instalado nos seus automóveis um dispositivo manipulador das emissões poluentes, ou seja, os veículos em causa poluem mais do que dizem poluir. Já as salsichas, fazem parte do mundo das carnes processadas, juntamente com o bacon, charcutaria fumada ou salgada, presunto, etc… A Organização Mundial de Saúde considera a carne processada como cancerígena, e coloca estes alimentos no mesmo nível de perigosidade do tabaco, do amianto e – coincidência – das emissões poluentes de veículos a gasóleo.
Uma atitude é a forma, estruturada e aprendida ao longo do tempo, sobre como pensamos, sentimos e agimos para com um objecto ou o meio ambiente. Uma vez “formada” uma atitude, esta é resistente e difícil de mudar. É uma espécie de predisposição para a acção, que nos ajuda a lidar mais rapidamente com aquilo que se nos depara no dia-a-dia.
Até há alguns meses, a atitude dos consumidores era claramente positiva face à Volkswagen. Uma marca de confiança, símbolo de qualidade e durabilidade – a nº 1 em vendas a nível mundial. Da mesma forma, as salsichas eram uma solução universal na cozinha, e de preço acessível. Mas esta atitude positiva está fortemente abalada neste momento.
O que fazer para obter uma atitude positiva?
A seguir apresento algumas acções que podem ajudar as empresas a lidarem com atitudes negativas.
#1 COMPENSAR – OS CONSUMIDORES NÃO AGEM SOBRE PRODUTOS: AGEM SOBRE PERCEPÇÕES.
As nossas atitudes têm 3 componentes: 1) cognitiva, que inclui as nossas crenças e conhecimentos acerca de uma marca/produto; 2) afectiva, que inclui afectos, sentimentos, emoções; e 3) conativa, que inclui a predisposição para a acção ou a intenção de o fazer, relativamente a um produto, marca, instituição ou ideologia. Neste caso, a marca deverá trabalhar, em simultâneo, as 3 componentes. Algumas dicas:
Cognitiva:
– reforçar as qualidades da marca que são valorizadas pelos consumidores (esperar um pouco mais caso se tratem de características que têm a ver com o ambiente: neste momento soará sempre a falso um certo lado “ecológico” da Volkswagen).
– separar claramente o que é rumor do que é facto.
Afectiva:
– assumir a culpa e a responsabilidade – a genuinidade gera confiança, que foi exactamente o maior activo que a marca perdeu.
– gerar identificação com a marca, por exemplo através de um endorser comunicacional “não especialista”. A razão é simples: os especialistas são bons a comunicar uma marca em situação normal, mas não quando a base do problema está numa manipulação… especializada. Uma boa aposta da Volkswagen seria introduzir publicidade em que clientes NORMAIS da marca mostram tudo aquilo que os veículos lhes ofereceram ao longo da vida.
– relembrar os grandes ícones (ex: Pão de Forma e Carocha), apelando à nostalgia
Conativa:
– facilitar a intenção de compra através de novas soluções de financiamento, aumentar benefícios na manutenção, alargar garantias, etc…
– Evitar fomentar a intenção de compra através de price fighting, ou outra comunicação que aumente a sensação de que é “muito fácil” adquirir um Volkswagen. Neste momento, tais acções seriam mais um comprovativo de culpa de que a marca errou (daí darem um desconto e uma palmadinha nas costas) e uma desvalorização extra da marca na mente dos consumidores.
#2 APRENDIZAGEM – OS CONSUMIDORES VALORIZAM MARCAS QUE APRENDEM COM OS ERROS.
É muito fácil em situações de crise, as marcas tentarem aliviar a culpa, “comparando-se” com outras marcas ou produtos que pecam na mesma medida em que peca a nossa marca. Por exemplo, as associações de carnes processadas poderiam afirmar que estão a ser um bode expiatório da OMS, enquanto as colas e as batatas fritas não são vítimas de igual reprimenda. Embora na base tenham razão, as marcas devem pensar de forma diferente:
– devem evitar comparações, pois estas funcionam como confissão de que são tão más como as outras marcas que agem indevidamente. Apenas estão a reforçar a atitude negativa dos consumidores.
– devem comunicar acções que comprovem que estão a trabalhar no problema. Tais comunicações devem vir das altas instâncias, o que aumenta o sentido de responsabilidade da organização. Os inquéritos de averiguação devem ser cristalinos e punir os prevaricadores. A recolha dos automóveis às oficinas deve ser rápida.
– as marcas devem mostrar que estão a aprender, transformando o negativo em positivo:
– criando sistemas anti-fraude de detecção de mecanismos manipuladores, que sirvam como “benchmark” para a indústria
– tornando a redução de emissões poluentes numa batalha da política interna, aspirando a ser a marca mais ecológica do planeta em x anos
– investindo ainda mais em pesquisa sobre o tema das emissões poluentes, e envolvendo as comunidades nesse esforço
#3 GENERALIZAÇÃO – OS CONSUMIDORES ATACAM O ALVO, MAS TAMBÉM O QUE ESTÁ À VOLTA
É indesmentível que o ser humano tem tendência a generalizar, e no consumo não é diferente. Já o comportamentalismo (corrente da psicologia) falava de generalização: o famoso cão de Pavlov (eram vários, mas convencionou-se falar apenas em um) era condicionado a salivar quando o cientista tocava uma sineta. Mas a verdade é que o cão não salivava apenas ao som de uma sineta: salivava também com outros engenhos que tinham semelhanças com uma sineta. Do mesmo modo, os consumidores aprendem respostas condicionadas a diferentes estímulos: os portugueses não retraíram o consumo de alheiras da marca “Origem Transmontana”, retraíram de TODAS as alheiras em geral. Da mesma forma, TODOS os veículos da marca Volkswagen são fraudulentos. Eis algumas propostas para lidar com o problema:
– certifique-se de quais são os produtos da sua marca que estão com problemas. Cinja a sua comunicação a esses produtos, cortando o vínculo com outros que possam ser contaminados por generalização. No caso da Volkswagen, talvez esteja a ser cometido um erro ao delimitar quais as gamas de veículos afectados, sem estarem concluídas as investigações e inquéritos. É que se houverem outras gamas afectadas – quando antes foi dito aos consumidores que não – então as consequências para a imagem da marca serão mais gravosas. Impõem-se celeridade na investigação.
– Comunique de forma a tranquilizar as pessoas face aos produtos não contaminados pela generalização. O caso de Francisco Jorge (Director Geral da Saúde), a consumir alheiras após os casos de botulismo, é um bom exemplo.
#4 ALIANÇAS – OS SEUS CLIENTES SÃO OS SEUS MAIORES ALIADOS, MESMO QUE ESTEJAM DESILUDIDOS.
Existe uma boa notícia no que se refere às atitudes: elas são resistentes e estáveis. Neste momento a Volkswagen está a lidar com atitudes negativas oriundas de várias entidades, incluindo os clientes. Mas tome nota: essas atitudes negativas ainda não se cristalizaram na memória nem no comportamento dos seus clientes, ainda há aqui um crédito de tempo. E este aspecto é crucial para qualquer marca bem posicionada no mercado. Quanto mais positiva for a atitude face à marca, mais “folga” a marca tem para lidar com as situações adversas, antes de estas dominarem a mente do consumidor.
Clientes comprometidos são aqueles que sempre se envolveram com as suas marcas, e que estão dispostos a correr a “extra mille”. São também aqueles que, embora não admitam, tenderão a “deixar” passar alguns erros da marca – pois reconhecem que a marca lhes deu algo de valor na relação.
Um dos aspectos mais estudados das atitudes é também uma atenuante para situações de crise das marcas. Esse aspecto é a tendência para menosprezarmos o que nos dizem se estiver em desacordo com as nossas atitudes. Pelo contrário, tendemos a valorizar e assimilar o que nos dizem, se estiver consentâneo com as nossas atitudes. Traduzindo: quem sempre gostou de carnes processadas, tenderá mais facilmente a menosprezar quem lhe diz que estas fazem mal à saúde. Mas este “bónus” não dura para sempre!
Leon Festinger, na sua Teoria da Dissonância Cognitiva, descobriu com mestria que as pessoas tendem, num conflito de atitudes, a modificar os elementos menos resistentes. Imaginemos que uma pessoa conhece os malefícios do tabaco, mas fuma. Existe aqui um conflito entre as cognições (tabaco faz mal) e o comportamento (fumar). Se as cognições fossem o elo mais forte, não haveriam fumadores no mundo. Mas não são, e o fumador tem tendência a modificar o elo mais fraco, por isso vai adaptar as suas cognições ao comportamento – e não o contrário. Como? Com expressões “inocentes” como estas:
“Nós vamos todos morrer, por isso…”
“Conheço muitos fumadores que chegaram aos 90 e tal anos…”
“O meu próprio médico fuma!”
“Todos os grandes líderes foram fumadores…”
“Se formos a ver, tudo faz mal…”
Como aproveitar este “estado de graça” das grandes empresas? Algumas sugestões:
– reúna todos os estudos de mercado, para (1) identificar quais as principais razões dos seus clientes para ter escolhido a sua marca, e/ou (2) quais os atributos em que a sua marca lidera, mesmo que não sejam fundamentais para os seus clientes. Utilize depois algumas técnicas do Modelo Multi-Atributo de Martin Fishbein na sua comunicação:
– reforce a sua posição nos atributos mais importantes para os consumidores
– valorize os atributos em que a sua marca é melhor, aumente a importância destes para o consumidor, fazendo com que estes passem a considerá-los nas suas escolhas.
– aumente a fasquia do “consideration set” nos atributos em que a sua marca é dominante. Por exemplo, se a sua empresa utiliza uma norma de fabrico inovadora que outras marcas não utilizam, torne essa norma num critério básico para escolher um produto no sector. Este procedimento colocará algumas marcas concorrentes fora de jogo.
– obtenha testemunhos de clientes altamente leais à sua marca. Se a marca trabalhou bem a sua imagem até agora, certamente haverão pessoas dispostas a validar as suas experiências com a marca. Escolha casos reais de forte impacto, e se possível que envolvam storytelling. Exemplos para o caso Volkswagen:
– O cliente que tem o Volkswagen com maior quilometragem (fiabilidade e resistência)
– O colecionador que tem mais volkswagens na sua garagem (simbolismo e paixão)
– A família que, desde que a marca foi criada, preferiu a Volkswagen ao longo de gerações (confiança)
– O proprietário do Volkswagen que já viajou por mais países (aventura e storytelling)
– Apele ao sentimento de pertença e à prova social. Este é um aspecto importantíssimo. Quem foi cliente de uma marca tantos anos, que confiou nela, que desfrutou de aceitação social com ela, naturalmente está em retração comparativamente com outras pessoas que têm marcas diferentes. Ter um Volkswagen representava estatuto, agora está-se a mostrar nas ruas uma marca fraudulenta. Especialmente se o veículo foi afectado directamente. Nestes casos, tente os seguintes procedimentos:
– comunique situações em que clientes passaram por maus momentos com as suas marcas, mas que se mantiveram com elas e colheram os frutos depois (gera identificação com outros clientes na mesma situação, e transmite uma imagem de confiança)
– aumente a percepção de controlo por parte dos clientes. Eles têm de perceber que é possível voltar a ter o seu carro em condições. Facilite as recolhas de veículos, trate os clientes de forma excelente, providencie boas alternativas de transporte enquanto o automóvel está na oficina, etc… O seu cliente faz parte de um clube que protege os seus membros.
– Aproveite as redes sociais e dinamize fóruns com clientes VW, utilizando esse meio para prestar esclarecimentos, ouvir críticas e reclamações, afinar procedimentos, entre outros.
#5 IMPLICAÇÃO – TER UM CARRO NA GARAGEM, NÃO É O MESMO QUE TER GUARDANAPOS DE PAPEL NA SALA DE JANTAR.
Existem produtos de forte implicação e produtos de fraca implicação. A implicação de um produto é o grau de importância e risco na sua aquisição. Um automóvel é um produto de forte implicação: é algo importante, que custa dinheiro, que nos faz levar meses a considerar qual o melhor modelo, em que temos de inferir os prós e contras da sua aquisição. Quando adquirimos um produto de forte implicação, despendemos mais tempo do que é normal, pois o risco de uma má escolha é maior. Comprar guardanapos de papel para ter em casa, é diferente: o grau de responsabilidade é inferior, e muita gente não se importa se estiver a usar Renova ou marca própria. A implicação também varia em função do cliente e das suas necessidades reais. Entrar na perfumaria para comprar uma fragrância para nós é uma coisa; comprar algo para o nosso cônjuge pois fazemos 10 anos de casados é outra.
No caso da Volkswagen estamos a falar de automóveis, em que a implicação e o envolvimento são evidentes. De forma a contornar os riscos associados a uma forte implicação, as marcas devem agir da seguinte forma:
– Apostar em argumentação clara, de qualidade e de fontes impolutas. Segundo McGuire (1969), as pessoas altamente envolvidas são as que compreendem mais facilmente a argumentação dos outros, mas são os mais resistentes em aceitá-la (pois têm no seu portfólio mais contra-argumentos, e não cede tão facilmente).
– Quanto maior a implicação, maior é o simbolismo que o cliente coloca na aquisição. Mais uma vez, trabalhe com atenção a componente afectiva / emocional da comunicação: desde a publicidade, ao discurso dos vendedores.
– Minimize os riscos percebidos na aquisição da marca – quer na compra, quer no pós-compra (ex: manutenção, revisões…). Simplifique a burocracia e processos de aquisição. Aposte na personalização dos veículos, para serem próximos das expectativas criadas pelos consumidores e não haverem desilusões.
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Apesar de longo, espero que estas dicas ajudem as empresas a lidar com situações de atitudes negativas. Muito mais haveria a dizer, mas estarei disponível para tirar dúvidas.
A Gestão de Atitudes é parte integrante do modelo Customer Experience Road Map. Caso queira aplicar esta ferramenta na sua empresa, não hesite em contactar-me.
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