O Comportamento do Consumidor é uma área do saber com forte base nas ciências sociais, e que tem importância estratégica no marketing e na gestão. Em primeiro lugar, devemos assumir que estamos sempre a consumir algo: pode ser tempo, oxigénio, comida, entretenimento, prazer … praticamente qualquer coisa, mesmo que por vezes não pareça óbvio.
Claro que também há uma questão de perspectiva: se o leitor estiver a apreciar o mar, pode jurar que não está a consumir nada; por outro lado, se o leitor foi de férias para terras distantes e estiver a contemplar o mar, essa contemplação já foi paga no pacote de férias – o mar está incluído 🙂
Mas a maior parte do tempo em que falamos de consumo, estamos a referir-nos ao plano económico, quando compramos um produto ou um serviço, por exemplo. Ou uma experiência. Ou um som. O ponto central aqui é “que podemos comprar”, porque as empresas precisam de consumidores a comprar os seus itens. E há muitas coisas que achamos que nunca vamos comprar – o ar que respiramos, por exemplo. Mas talvez um dia nós teremos de o fazer: todos os recursos ganham importância quando são escassos!
Continuando com a ideia de “comprar”, a verdade é que pensamos muito sobre o que comprar, como escolher ou como pagar aquilo que compramos, de forma que a expressão “Comportamento de Compra” (Buying Behavior) ainda é muito utilizada. No entanto, esta designação é limitada para expressar os padrões de consumo, pois só tem em conta as acções imediatamente anteriores à compra, durante a compra e imediatamente a seguir à mesma. É como descrever um comboio dizendo que ele tem uma única carruagem – quando na realidade tem várias, e o “Comportamento de Compra” é uma delas. O momento da compra é, por vezes, um resultado, um fim, e não faz justiça a toda a relação existente entre consumidores e o ambiente económico que os rodeia.
O “Comportamento do Consumidor” está intrinsecamente relacionado com outra área – a pesquisa de mercado (Market Research) – e às vezes são vistas como a mesma coisa. Esta comparação não reflecte a realidade, porque a pesquisa de mercado é uma ferramenta para obter insights que poderão ser operacionalizados à luz do Comportamento do Consumidor. Os relatórios de estudos de mercado, por si só, são de valor limitado. O valor real surge quando esses relatórios são associados a uma perspectiva de Comportamento do Consumidor, geralmente com a administração e os departamentos de Marketing a serem cruciais para perceber os problemas – e eventuais soluções – no seu todo.
O que é o Comportamento do Consumidor?
Como todas as definições, por definição, não há uma definição adequada de Comportamento do Consumidor para todos os fins e situações 🙂
Mas podemos lançar alguma luz sobre o assunto. Em seguida vou apresentar cinco definições poderosas e dar a minha opinião pessoal sobre cada uma delas. Pode ter a sensação de que elas são muito semelhantes, mas cada uma tem o dom de trazer algo novo para a discussão.
Solomon: “Comportamento do Consumidor inclui os processos envolvidos quando indivíduos ou grupos escolhem, compram, usam ou dispõem de produtos, serviços, experiências ou ideias para satisfazer as suas necessidades e desejos”
Quick feelings > um bom ponto de partida para definir Comportamento do Consumidor, por um dos seus mais proeminentes representantes. Dois pontos interessantes: (i) refere-se a “grupos de consumidores”, um aspecto muito actual, como se pode ver pelo sucesso das compras colaborativas, (ii) ao falar de “experiências” leva-nos a algumas formas (agora) populares de marketing, como marketing experiencial ou marketing sensorial.
Jacob Jacoby: “o Comportamento do Consumidor reflecte a totalidade das decisões do consumidor no que respeita à aquisição, consumo e disposição de bens, serviços, actividades, experiências, pessoas e ideias por unidades de decisão humanas (ao longo do tempo)”
Quick feelings > A minha atenção vai para a expressão “ao longo do tempo”, porque o estudo do comportamento do consumidor não pára após o consumo de um produto ou utilização de um serviço. Os insights assimilados nessa fase posterior podem ser fundamentais para desenhar linhas estratégicas das próximas campanhas de marketing.
Mittal: “Comportamento do Consumidor são as actividades mentais e físicas realizadas pelos consumidores para adquirir e consumir os produtos (em sentido amplo, como qualquer produto ou serviço, físico ou não físico, que oferecem algum benefício para o consumidor, incluindo um lugar, uma pessoa ou uma ideia oferecidos para troca) de modo a satisfazer as suas necessidades (condições de desconforto físico e psicológico) e desejos (um desejo por um objecto, produto ou serviço específicos).”
Quick feelings > Banwari Mittal (tive o prazer de conversar com ele quando veio a Portugal há uns anos, através do IPAM) dá-nos uma definição muito detalhada, com preocupação especial para as actividades “mentais” e “físicas”. Os consumidores não vão simplesmente comprar os seus produtos (actividade física): eles precisam ser convencidos a fazê-lo, deve-se explicar porque é que determinado produto tem valor para eles e as informações necessárias para que faça sentido (actividade mental).
Hawkins, Best e Coney: “Comportamento do Consumidor é o estudo de indivíduos, grupos ou organizações e os processos que eles usam para seleccionar, usar e dispor de produtos, serviços, experiências ou ideias para satisfazer as suas necessidades, e o impacto que estes processos possam ter para o consumidor e a sociedade “
Quick feelings > no seu grande livro “Comportamento do Consumidor: construindo a estratégia de marketing“, os autores contribuem com uma perspectiva de futuro para a definição de Comportamento do Consumidor, pois a componente social é incluída na equação. Assim sendo, nesta definição podem caber preocupações de responsabilidade social, marketing verde, consumismo desenfreado, causas sociais ou outras temáticas que abrangem o indivíduo inserido na sociedade.
Kardes, Cronley e Cline: “O Comportamento do Consumidor envolve todas as actividades associadas à compra, uso e disposição de bens e serviços, incluindo as respostas emocionais, mentais e comportamentais que precedem, determinam e sucedem a essas actividades”
Quick feelings > Kardes, Cronley e Cline, com o seu livro “Comportamento do Consumidor (2010)” chegam a um bom compromisso para alcançar uma definição aceitável. O que há de novo? Duas coisas: (i) separam claramente o comportamento, as cognições e as emoções na equação do consumo e (ii) dão-nos grande amplitude de tempo entre o antes e o depois de comprar algo. Em outras definições, esse tempo é demasiado curto e circunscrito ao acto da compra. O comportamento do consumidor deve ser incorporado nos trabalhos – especialmente estratégias de gestão, de marketing e vendas – muito mais cedo do que por vezes é o timing “expectável”.
Porque é que o comportamento do Consumidor interessa?
Vejamos uma definição de marketing dada por uma autoridade no assunto, a Associação de Marketing Americana
“Marketing é a actividade, conjunto de instituições e processos para criar, comunicar, entregar e transaccionar ofertas que têm valor para os clientes, parceiros e sociedade em geral.”
Penso ser pacífico que a parte crucial da definição é a expressão “que têm valor para os clientes“. As empresas podem criar, comunicar, entregar ou transaccionar as ofertas que quiserem … mas isso não significa lucro, caso não tragam valor para os clientes. E para lhes dar valor, eles precisam de estar no centro da mesa, quando os projectos estratégicos nascem.
Assim, o Comportamento do Consumidor é importante em muitos aspectos, e gostaria de enfatizar 10 deles:
– Estabelece pontos de orientação para as estratégias de gestão e marketing a serem seguidas, com base na perspectiva dos consumidores e no conhecimento científico existente acerca desta área do saber.
– Fornece ao Marketing e à Gestão uma perspectiva cronológica e holística das acções dos clientes ao longo do tempo, revelando a dinâmica do mercado e permitindo ainda a antecipação de tendências.
– Manter-se focado no consumidor, permite descobrir novas necessidades, produtos, serviços ou experiências valorizadas por eles. A inovação começa com as pistas subtis que os consumidores deixam para trás.
– A Pesquisa de Mercado (uma parte fundamental da estratégia das empresas) pode ser optimizada pela presença de um especialista em Comportamento do Consumidor: desde o desenho da metodologia até à utilização consciente dos resultados e follow-up dos projectos.
– O acompanhamento constante dos clientes possibilita a criação de actividades e programas de fidelização mais eficazes e adequados.
– O Comportamento do Consumidor é de grande importância para uma correcta segmentação do mercado, mostrando outras variantes de segmentação (psicossociais e emocionais) para além das tradicionais.
– O Comportamento do Consumidor pode ser muito eficaz numa dinâmica bilateral: ao assimilar o modus operandi dos clientes, pode processar essa informação e retribuir mais tarde com insights valiosos – por exemplo, indicando a melhor forma de abordagem aos clientes em campanhas e produtos específicos.
– Novas ferramentas de marketing digital (sites, blogues, SEO, Social Media…) podem ser potenciadas pelo conhecimento em Comportamento do Consumidor, especialmente no webdesign, content marketing e esquemas de actividades em redes sociais.
– Grande parte do que se faz em RP, publicidade e comunicação é construído sobre fundações da Psicologia e Sociologia – o que faz com que o Comportamento do Consumidor seja um parceiro natural nas decisões de marketing.
– Um especialista em comportamento do consumidor pode ser de grande ajuda nas questões de posicionamento: ele compreende o universo perceptivo em que as marcas se deslocam, e pode contribuir para colocar as insígnias na melhor posição possível na mente dos consumidores.
Espero que este artigo ajude o leitor a entender como o Comportamento do Consumidor pode desempenhar um papel útil numa empresa, e por que é importante quando integrado nas estratégias de marketing de marcas e produtos.
Caso tenha alguma dúvida, esteja à vontade para a expor!
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